A EUTANÁSIA, Evolução Civilizacional ou Crise Existencial?



Opinião de Natércia Ramos
Membro da Direção Política Distrital de Setúbal
Partido Aliança
31 de janeiro de 2020

A EUTANÁSIA (1): Evolução Civilizacional ou Crise Existencial?

O tema entrou no debate público português através do Bloco de Esquerda, que apresentou pela primeira vez, no seu programa eleitoral de 2009, propostas sobre a matéria. Nesse mesmo ano, foi aprovado o Projeto-Lei do Partido Socialista sobre o Testamento Vital (2), na sequência do primeiro debate político sobre a Eutanásia, que seria promulgado a 16 de Julho de 2012 como Lei nº 25/2012 (3). No entanto, o Bloco de Esquerda não desistiu e assegurou que em todas as legislaturas faria questão de trazer a debate, com o objetivo de aprovação, o seu Projeto-Lei. Não será despropositado refletir sobre que interesses ocultos estarão por trás desta insistência. Uma pergunta que pode ser feita é: quem lucra com isto? Porque e bem vistas as coisas é muito superior o valor que se ganha quer por via de poupança quer por via de benefícios financeiros do que aquele que se gasta em competentes e eficazes serviços paliativos. Será este um dos motivos que explicam o estado de falência em que se encontra a Rede de Cuidados Continuados?

Nós (a Sociedade Civil, a Classe Politica e a Classe Médica) devíamos estar mais focados em contribuir com soluções para criar condições que garantam às pessoas que necessitam de cuidados médicos (doentes crónicos, doentes terminais) que tenham um tratamento personalizado e profissional, assegurando Cuidados de Saúde Paliativos dignos, até ao fim das suas vidas. Há muita coisa ainda a fazer, a explorar e a debater nesta área dos Cuidados Paliativos antes de se abordar o tema da Eutanásia. Desde logo, começando pela revitalização dos Planos Nacionais: Contra a Dor; Contra o Suicídio; de Saúde Mental. Passando por um investimento concreto em toda a Rede de Cuidados Continuados e Paliativos com Formação e Especialização de Técnicos e construção de infraestruturas a nível nacional. Como também, a elaboração de Legislação Especializada na área da prestação de Apoio Domiciliário a doentes crónicos e terminais onde se pudesse incluir o debate sobre o Estatuto do Cuidador Informal numa abordagem à Lei do Trabalho que permitisse uma adequada conciliação entre a vida profissional de quem tem pais a seu cargo: seria oportuna uma extensão do regime jurídico da flexibilidade de horário de trabalho – artº 55, 56, 57 do CT – às situações referidas porque, sobre os filhos recai a obrigação legal de assistência e alimentos. É necessário debruçarmo-nos sobre a problemática dos Cuidados Paliativos porque essa sim é a questão social em causa.

A Eutanásia pode eventualmente ser uma opção quando já tiverem sido esgotados todos os outros recursos – existentes e funcionais – promovidos para minimizar o sofrimento dos
doentes crónicos e terminais, mas nunca deverá ser abordada como medida inicial ou principal. Deverá ser sempre vista como “último recurso” para uma morte digna, acompanhada e auxiliada por técnicos profissionais, porque a medicina aliada à ciência e à tecnologia têm evoluído no tratamento e cura de imensas doenças que até há algumas décadas atrás eram diagnósticos de morte certa e a que atualmente é possível sobreviver-lhes com qualidade de vida. Os “desejos de morte” são um paradoxo à luz desta realidade. Os exemplos que temos de países que já despenalizaram a Eutanásia – Holanda, Bélgica, Luxemburgo, Canadá – estão referenciados e sinalizados e as estatísticas demonstram que, por exemplo, na Holanda são executadas 16 pessoas por dia! Tudo isto porque alguém tem uma depressão e quer morrer; alguém sofre de esquizofrenia e quer morrer; alguém é diagnosticado com cancro e quer morrer… É assustador pensar que uma Lei desta natureza se tornou tão banalizada ao ponto de existirem tantos pedidos de Morte Assistida (4), porque se esqueceram que colocar salvaguardas para evitar a banalização e o desvario.

Relativamente à questão da liberdade individual e ao direito à autodeterminação, é um argumento um pouco inconsistente e até paradoxal na medida em que, o conceito de “liberdade individual” não se enquadra neste contexto, porque para um ter direito à sua escolha pessoal existe um outro que poderá vir a ser privado da sua própria escolha. A liberdade de um escolher ser executado sem que o outro seja livre também de decidir se quer ser o carrasco é inconciliável. Também é questionável a capacidade de autodeterminação da pessoa que pede para morrer. Teria sempre que ser submetida a exames psiquiátricos e psicológicos por um tempo determinado.

Brevemente este tema regressará à Assembleia da República para nova discussão. E por este motivo, considero necessário voltarmos à discussão pública para quando começar o debate no Parlamento Português os nossos representantes terem presente a necessidade de garantir que existirão mecanismos legais de salvaguarda para se evitar a banalização do ato em causa – qualquer que seja a escolha do paciente – garantindo que os direitos e os deveres dos doentes, bem assim como os dos profissionais de saúde que sejam intervenientes, fiquem perfeitamente assegurados para não corrermos o risco de atropelar a sacralidade da vida com “caprichos emocionais” momentâneos que acabam por desvirtuar a “raison d´être” da medicina e os seus princípios fundadores plasmados no Juramento de Hipócrates.

Não abandonemos as pessoas. Todos merecemos o melhor atendimento e os melhores cuidados que a medicina e a ciência nos puderem dar até ao dia da nossa morte. E que seja uma morte digna e sem sofrimento. Mas para que isso seja uma realidade para todos os cidadãos é necessária vontade política para investir nos Cuidados Paliativos Públicos.

Natércia Ramos

1. “Provocação da morte de uma pessoa numa fase terminal da vida para evitar o sofrimento inerente a uma doença ou a um estado de degenerescência”. É a provocação intencional da morte a determinada pessoa que sofre de enfermidade extremamente degradante e incurável, visando privá-la dos suplícios decorrentes da doença. 

Fonte: “EUTANÁSIA E SUICÍDIO ASSISTIDO -
Legislação Comparada”, Assembleia da República - Divisão de Informação Legislativa e Parlamentar – DILP, Abril de 2016


2. Possibilidade legal de formulação escrita das chamadas diretivas antecipadas da vontade, que consiste em uma pessoa, não incapaz ou inabilitada, manifestar antecipadamente e sem ambiguidades a sua vontade - consciente, livre e esclarecida - sobre os cuidados de saúde que deseja receber ou não deseja receber no caso de, por qualquer razão, se encontrar incapaz de expressar a
sua vontade pessoal e autonomamente.

 Fonte: “EUTANÁSIA E SUICÍDIO ASSISTIDO - Legislação Comparada”, Assembleia da República - Divisão de Informação Legislativa e Parlamentar – DILP, Abril de 2016


3. Regula as diretivas antecipadas de vontade, designadamente sob a forma de Testamento Vital, e a nomeação de procurador de cuidados de saúde e cria o Registo Nacional do Testamento Vital (RENTEV). 

Fonte: Diário da República n.º 136/2012, Série I de
2012-07-16



4. Expressão também utilizada para tratar o Suicídio Assistido como auxílio a alguém, prestado por um médico para terminar com a vida daquele - é o próprio paciente, ao contrário do que sucede na eutanásia ativa, que ingere ou injeta medicamentos letais previamente prescritos pelo médico. Não é este que o mata diretamente. Na eutanásia direta é uma terceira pessoa que executa o ato, ao passo que no suicídio assistido é o próprio doente que provoca a sua morte, ainda que para isso disponha da ajuda de terceiro.

 Fonte: “EUTANÁSIA E SUICÍDIO ASSISTIDO - Legislação Comparada”, Assembleia da República - Divisão de Informação
Legislativa e Parlamentar – DILP, Abril de 2016
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